Melancolia proposital

Jovem. Jovem e saudável, ser humano íntegro, inteiramente humano é esse ser. Ser que ama, e, como todos os seres, ama amar. E, como todo bom poeta, sobre isso ele pára e escreve.
Mas sendo tão saudável esse ser humano que ama amar, por que sofre por amor? Sofrer faz mal... Mas pelo mal o humano é atraído. Só não precisa necessariamente ao sofrimento adotar por tanto tempo.
Jovem, saudável poeta de poemas apaixonados pela menina que nunca conheceu, não se deixe levar pelos sonhos ao ponto de sonhar ser levado por eles. Assim está se entregando aos braços do vento e sofrimento, dois pais da angústia e nostalgia pelo que nunca se teve e que jamais encontrará.
Melancolia proposital. Não se deixe levar por tal.
 
Para o Thomas,
Kal.

Divagar devagar... Divagações de uma sexta à tarde

Vontade de escrever quando não consigo na verdade pensar em nada para escrever.
Sozinha, mas acompanhada.
Ao longe, alguém mexe o suco com o canudo. Uma garota mexe no cabelo e o garoto deixa o seu rêgo à mostra. Eca.
Pessoas rindo e batendo palmas, eu não sei o porquê.
Eu me pergunto o que aquela pessoa que há pouco passou se pergunta. Eu sei que ela não se pergunta o que eu me pergunto, por isso nunca vai saber que eu me pergunto o que ela se pergunta. Mas o que ela se pergunta?
Alguém me olha e desvia o olhar.
Se eu prestar atenção, posso ouvir até mesmo os passos daquele porteiro lá do outro lado da rua.
Ninguém vem me buscar, esqueceram de mim.
Um pombo mexendo a cabeça pra frente e para trás, uma conhecida minha chegou na escola atrasada. Ela olha pra mim e eu sorrio pra ela. Por que ela não sorri de volta?
Que diferença há entre um sorriso e um silencioso rosnado? Ambos mostram os dentes.
Que são os dentes?
Onde ele está? O que aconteceu ontem depois que eu me fui?
Que pombo lindo.
O garoto o assustou batendo com o pé no chão de propósito. Por que ele fez isso?! Eu quis dar um murro no garoto!
Me diga então, que diferença há entre homens e animais?
Ambos agem sem pensar, e jamais pensam no que fazem.
Que custa pedir desculpas? Admitir que errou. É o que diz aquele professor. Porque, antes de tudo, ele é educador, e sabe o que diz.
O pombo assustado voltou.
Ele cisca o chão em busca de alimento. Há uma pipoca na sua frente, mas ele não a come. Porque quando o alimento é grande demais e a boca de menos, não adianta alimentar. E eu não falo de pombos e pipocas.
Uma mulher bonita e arrumada andando na calçada. O cara sujo e sem camisa passa em sua bicicleta suja e sem pedal, olhando para ela. Mas o que custa sonhar?
Uma garota entra e diz "boa tarde" ao porteiro.
Gostei dela.
Uma aluna sem farda?
Preciso ir ao banheiro, mas minha carona chegou.

Lá, cá, acolá... Bah!

Eu não sei bem quem sou. Essa é a maior verdade da minha vida, e hoje eu declaro a vocês a minha derrota. Não que eu tenha desistido de viver, mas desisti de viver tentando controlar a vida. Esta, que de minha parte é uma bagunça total. Aquela bagunça organizada, onde só mesmo o dono dela a pode entender.
Eu sou a dona da minha bagunça, e digo que nela se encontram pedaços de Cazuza, cacos de Renato, trapos de alguns professores que passaram pela minha vida – ou eu pela deles –, e mais um monte de papéis picotados onde podem ser identificadas mais mil pessoas que admiro, pessoas que me inspiram a cada dia um pouco mais.
Antes de tudo, preciso contar uma coisa a vocês. Sabem eu, esta pessoa que vos escreve? É, pois é, eu não sou eu. Eu não sou eu, primeiramente porque não sei quem sou, e não tenho certeza de que se soubesse ainda o seria com tanta naturalidade... Mas enquanto vivo essa doce dúvida amarga, absorvo um pouco de tudo o que vejo, tudo o que ouço. E faço isso porque sou fraca. Ou forte, ainda não sei.
Meu Deus, há tanta coisa a aprender!
Eu sempre fui uma pessoa muito sensível à informações e emoções alheias, o que me torna quase uma esponja já podre de tanta sujeira misturada com sabonete de morango... Em filmes, por exemplo, se simpatizo com o personagem, eu simplesmente o absorvo e passo a me sentir como ele durante as próximas doze horas. Se ele chora, eu choro. Se ele enlouquece, enlouqueço também.
Se leio um livro, lá está a droga do meu cérebro esponjoso novamente, sugando tudo o que meus olhos avistam nas infinitas linhas que definem o caráter do personagem, e então se ele é forte, eu sou forte. Se é fraco...
E não sei mais onde eu queria chegar com esse texto. Mas acabei de assistir o filme de Cazuza, e meu lema durante as próximas 12 horas é vida louca... Então, pra quê chegar a algum lugar? Já estive ali e aqui, estou cá, e – creio eu – um dia chegarei lá. Mas enquanto no papel o lá ainda for lá, esse dia jamais chegará.