Tempos que vivo

Era uma vez, em que todas as vezes tinham importância, e nada se tornava comum. Em um tempo, houve tempo para os homens. Um relógio quebrado, horas desajustadas, mas isso não importava muito... Um tempo onde tudo era mágico, onde nada precisava fazer sentido, apenas o momento importava no momento, e curtir é o que há.
    Nesse tempo os homens viviam. Nesse tempo, os homens se sentavam à sacada e observavam a arte de sombras que o sol das cinco desenhava na porta de madeira de suas casas.
    Se eles tivessem uma ideia, davam continuidade à essa, em vez de adiá-la para mais tarde ou mesmo jamais chegar a fazer por falta de tempo. Como eu disse, nesse tempo havia tempo de sobra para os homens. A ocupação em tempo integral por dinheiro não deve existir.
    Nesse tempo, os homens não se importavam em parecer crianças de vez em quando, porque eles sabiam o quanto é bom se sujar de terra e tinta, como é bom correr na grama e sentir o vento no rosto. Conheciam a magia em ser criança mesmo sendo adultos.
    As pessoas sorriam para as outras e eram simpáticas, não havia preconceitos nem escala social. Todos eram amigos, e ninguém fazia pouco caso dos casos. Sobre tudo se refletia no mundo dos pensadores, pescadores de ideias tão interessantes.
    Na verdade, esses tempos continuam até hoje, dentro dos que escolhem por esse caminho. Esses tempos, os melhores tempos de todos os tempos... Tempos de viver. Tempos que vivo.

Sem título por hoje.

Ok, eu estava aqui procurando alguns sites que falassem de experiências de pessoas que tiveram os cabelos pintados de cores exóticas, mas não achei nenhum. Eu não costumo fazer muito isso, nem falar dessas coisas aqui no blog, mas como ultimamente tenho tentado de todas as formas distrair a minha cabeça de certas preocupações que insistem em preenchê-la, faço o mesmo que meu pai.
Meu pai é um cirurgião plástico muito conhecido na cidade pequena em que moramos, e para lidar com todo o estresse da sua profissão, ele cria projetos aos quais se dedica quase que em tempo integral – claro, quando não precisa estar trabalhando -. Ele fica meio que obcecado com isso, até que chega uma hora que ele enjoa, e então pàra. Mas não consegue ficar muito tempo sem essa válvula de escape, sabe?
E acho que sou como ele.
Há algumas semanas, comprei umas tintas da Exotic numa loja muito legal aqui da cidade – hoje é a loja que eu mais freqüento –, e botei na cabeça que iria pintar o meu cabelo de azul. Dito e feito. Chamei minhas amigas pra minha casa e fiz um dia de salão – coisa única na minha vida, que nunca fui muito de me arrumar ou falar de futilidades com ninguém –, e então aproveitei. Usei as duas como minhas cobaias. Pobres, pobres cobaias.
A Natália, meiga e delicadinha Natália, não faço idéia de como me deixou fazer essa loucura, mas vamos lá. Pintei uma mecha azul, que hoje está verde, na parte debaixo do seu cabelo enorme, e ficou legal. Mas não era a cor que eu queria. E a Nathaly, a mais louca e irreverente, eu repiquei muito o cabelo dela, e depois pintei as pontas do repicado de laranja. Ficou muito legal!
Mas enfim, eu pintei um pouco do meu, mas quase não dá pra ver, já está desbotando... Vou pintá-lo de azul. Não sei quanto dele, nem em qual parte, mas vou. Azul Puro Escuro. Não sei por que as pessoas aí de fora fazem isso, não faço cosplay nem nada, não sou, sei lá, roqueira ou algo do tipo, mas eu gosto. Eu me sinto bem sendo diferente.
A idéia de que as pessoas irão me olhar feio na rua não me preocupa, na verdade me divirto sabendo o que pensam de mim só pelo olhar. Rio comigo mesma. Não de desprezo, mas apenas pelo prazer de pensar que elas nunca saberão como é ser eu, como é revigorante ter os olhos de alguém que pensa além, que zomba da sociedade por rirem de você e não teme o dia de amanhã. Mesmo que todo esse pensamento revolucionário pareça só vir da tinta do cabelo.
Certo, não faço idéia do por que vou postar esse texto irreverente e sem coesão no blog, mas vou. E sabe por que vou? Porque... Afe, acabei de dizer que não sei o por quê. Mas deve ser algo como “só pra mostrar que odeio a rotina de escrever sempre as mesmas coisas, não gosto da aula de redação da escola e detesto padrões! ISSO É O MEU GRITO DE PROTESTO, PORRA!”
Mas não, não é.
É só uma desculpa pra dizer que eu odeio a sua aula, Hortência. Agora me mande escrever a porra de uma redação sobre pessoas que pintam seus cabelos de colorido nessa sociedade preconceituosa, por favor.
Obrigada.
Ah, e o post de hoje não tem título, não. Mas dessa vez é só porque eu não consegui pensar em nada, mesmo.

Pequenas alegrias do coração

Sorrir e perceber de surpresa o quão ridícula e encantadora é essa risada. Risada tímida, sussurrada, irada por estar apaixonada. Escreve, e das entrelinhas do papel vai tentando esconder essa risada, esse sussurro de amor com felicidade misturada.
Mistura homogênea. E se não fosse, não era felicidade,e tampouco era amor. Têm de estarem ambos juntos, ou essa risada não existiria. E no lugar da risadinha, uma lágrima cairia. Lágrima quente, salgada. Percorre seu rosto e cai no seu colo, pesada. Água salgada à gosto e desgosto, dependendo de quem serve e quem deve comer. Mas ainda bem que chora, já imaginou se não chorasse, o quão salgado teu corpo ficaria?
Põe pra fora o que tem dentro. Se cultiva coisas ruins, expele as lágrimas baratas, mesmo, durante o choro sofrido ou fingido. Mas se é amor, se é bom o teu espírito, e a mente inteligente o suficiente para não absorver como esponja cega o que vê e o que ouve, solta o som da risada que queres dar. E dá com gosto, porque do papel nunca se esconde as pequenas alegrias do coração.

P.S.: Estou sorrindo.

Dando uma passada...

Só pra não dizer que abandonei o blog, resolvi dar uma passadinha aqui e contar um pouco desse meio tempo em que fiquei sem escrever. Ultimamente a inspiração tem me faltado com a mesma frequência com que rodam os ponteiros do relógio.
Mas enfim, não falemos disso. Falemos então do meu cabelo azul. É, pois é, eu pintei meu cabelo de azul. E também o das minhas amigas, mas depois eu posto algumas fotos nossas que ainda vão ser tiradas... não temos muito tempo de sobra nesse reformatório colégio.
E mais: Achei um gatinho na rua e resolvi criar. É, tive alguns problemas, mas depois eu conto... preciso estudar pra prova de segunda chance da Cultura Inglesa que eu não passei. A avaliação é depois de amanhã, e quem disse que eu sei os assuntos?
DROGA.

Pra você

Olha só, olha só, lá estava eu toda enrolada no cobertor a ler blogs e mais blogs de madrugada... Até que dou um pulo na cama com o susto que o celular vibrando me deu. Eita, que felicidade você me traz! E então fui lá no nosso Evernote como você pediu, e me deparo com isso aqui:

Tu não sabes
O bem que me faz
Seu abraço apertado
Teu beijo molhado
Dois corpos suados
Juntos a dançar
A dança do amor
Singelo calor
A alma a cantar
Eu amo você
Espero te ver
Quando nada enchergar
Paro no seu olhar
Me ponho a pensar
Será que sou eu
Nós dois ou você
Que tem essa coisa
De saber amar...
Um rio de água fria
Se põe a fluir
Tu longe à rir
Me faz sorrir
Saindo à nadar
Direção: Mar
Lugar mais aberto
Compromisso sem veto
Casados em corpo
Unidos em alma
Seguimos essa estrada
Essa é a história, eu e ela
Um rapaz louco e uma moça bela
Que acabaram a morar na favela

Vocês não sabem a alegria que me invadiu com esse gesto tão inesperado! Mas daí percebo que tudo nele é assim. Imprevisível.
Me pus logo a escrever algo pra ele também, mas nada que se compare aos seus versos! Eu nunca soube rimar.

Ainda me é estranha essa alegria que me faz sorrir de olhos estreitos, um sorriso sincero nos lábios meus. Lábios teus.
Dizem que isso se chama amor. Eu, particularmente, prefiro não chamar. Deixar assim como está, um sentimento sem palavras que o possam descrever. Assim como eu, assim como você.
E quando eu tremo e penso isso estar se extinguindo pra você, meu celular toca. Ouço a sua voz sussurada, e juntos sussurramos pela madrugada. Não sei exatamente o por quê, mas por isso amo você. Por ser essa pessoa imprevisível, carinhosa. E aí vem você e ri da minha cara, diz que sou manhosa.
E porque, a cada vez que nos encontramos, é aquela alegria. Menos no final do dia. Porque é quando você precisa ir, e então tenho de levantar a minha cabeça do teu peito e fingir. Fingir que tudo bem, é fácil a despedida... Mas não é! Eita saudade desmedida!
Essas linhas bonitas são todas pra você,
O amor da minha vida.
Ele: Death Magnetic

Como o passarinho da minha janela morreu.

Observo um pardal através da janela do meu quarto. Eu, particularmente, acho pardais muito lindos mesmo, mas eu nunca havia visto um com as pernas tão curtas quanto as deste aqui. A sua cabeça girava freneticamente de um lado para o outro, talvez procurando o seu amigo que há pouco brincava de pega-pega com ele. Acho que o está esperando, mas sei que ele não voltará. Como eu sei disso? Bem, apenas sei. Experiência, quem sabe.
Me pergunto se os pássaros podem pensar como nós. Na escola me ensinaram que somos os únicos animais racionais do planeta, mas como a raça humana já me provou sua eterna ignorância, quem garante que animais não possam pensar em amor e sentir saudades de carinho?
O pardal agora encara estático a parede branca à sua frente como que pensativo, quase que nostálgico. Sei que está pensando no amigo, tenho certeza. Ele o deixou, e agora o pobre passarinho já não sabe o que fazer, como reagir, não faz ideia de para onde deve ir. Eles se deram tudo, e agora um deles nada tem. Tudo o que tinha e tudo o que disse, todos os sonhos e todas as promessas... Em vão. Tudo isso o outro passarinho levou consigo, e agora o pardal da minha janela só tem uma coisa a fazer... Voar. Mas ele não voa.
Pra quê fazê-lo? Vai que ele encontra outro amigo por esses galhos de árvore da vida, dá tudo pra ele, e o malandro, por sua vez, foge como fez o outro? Eu, se fosse o pardalzinho da minha janela, ficava por ali mesmo, definhando e depenando de receio de abrir as asas e voar. Ficaria parado, só esperando que chegasse algo que nunca vai chegar. Uma resposta, talvez.
É, não vejo pra quê arriscar o seu minúsculo coração aviário novamente. É perigoso demais.
E ele, como bom bicho que é, fez aquilo mesmo. Permaneceu parado, estático, passando fome, suando, definhando, depenando... Até morrer. Tudo isso pelo medo de voar.
Porque, sabe, ter medo é bem mais fácil.

Apertando as amarras

O meu irmão está preso na cadeirinha de segurança do carro. Na verdade não está, mas preste atenção em suas atitudes:
Estamos dentro do carro esperando meu pai, que está do lado de fora avaliando o avanço da reforma na preciosa lancha dele, e deixamos minha mãe em um lugar horrível há pouco tempo com cara de choro descobrindo mais dívidas além dos 300 mil. Eu estou muito estressada, e grito com o Matheus pra que ele pare de falar com o gato e de repetir falas de filmes de cinco em cinco minutos - isso realmente me irrita muito, e ele fica quieto por alguns segundos até esquecer do que eu gritei há pouco e começar a me irritar novamente.
Me sinto meio mal por gritar com meu irmão, mas se eu não for cruel com ele agora, e ensiná-lo dessa maneira, as crianças farão isso daqui alguns anos. E as crianças conseguem ser bem cruéis quando querem.
Mas enfim, voltando à situação do Matheus e a cadeirinha. Está realmente muito calor aqui dentro do carro, e só três portas estão abertas porque meu irmão simplesmente não quer abrir a porta do lado dele, e eu não faço ideia do motivo, porque ele NÃO DIZ o motivo! A única coisa que ele diz, além de besteira de filmes, é que quer a minha mãe e que está com saudades dela - ACABAMOS de deixá-la em um prédio. Ele não pode já estar sentindo a sua falta! Mas ele é criança, e sugiro que ele chame meu pai para irmos embora logo.
Depois de vários gritos chamando o meu pai, eu desisto, e acho que o Matheus também, mas vejo ele se esticando para frente, tentanto alcançar o volante, mas não chega nem perto. Ele está tentando apertar a buzina, mas ele sabe que não vai conseguir chegar lá amarrado na cadeirinha - posso ver a desistência precoce na moleza dos seus atos. E ele finalmente assume a derrota me pedindo pra que eu o aperte para ele, só que pediu indiretamente. E eu disse: "se você precisa fazer alguma coisa, faça você mesmo."
Eu não sou de falar esse tipo de coisa pro meu irmão de cinco anos, mas eu meio que estou muito atolada nos meus próprios pensamentos para pensar no que vou dizer a um pirralho irrirante - que é meu irmão e eu o amo MUITO!
E mais uma vez ele se queixou de que não dava, porque estava na cadeirinha, preso com cinto de segurança. "Mas como? Me diga! Como eu posso fazer isso se o cinto tá me prendendo?"
E eu lhe respondi:
"Em tudo se dá um jeito."
Mas ele continuou se queixando, me dizendo que não dava porque ele estava de cinto. Já cansada de ter de resolver tudo pra ele, eu lhe disse:
"Bem, então tire o cinto, ora!"
Era uma solução muito simples, e resolveria tudo logo, mas ele cortou meus pensamentos mais uma vez:
"Mas eu não posso tirar o cinto, porque minha mãe não deixa."
Veja bem, minha mãe não o deixa tirar o cinto de segurança quando estamos em movimento, quando há um risco de acontecer algum acidente, mas estamos PARADOS, MORRENDO de calor, e esperando o meu pai terminar de namorar a lancha dele... E além do mais, minha mãe não está nem aqui! Então percebi que o que meu irmão estava fazendo o tempo todo era arranjar desculpas para não fazer o que devia. Na verdade o que ele queria. Ele acha que tudo o atrapalha a chegar naquela meta, mas a verdade é que não, nada atrapalha. São obstáculos criados pela própria mente dele, inconscientemente. E eu me sinto exatamente nessa situação.
Mas, como ele, me acomodo na dificuldade - como todo ser humano, pra falar a verdade -, e, assim, não tenho vontade de mudar.

o diário de Marília Xavier. - Parte hum

Aquele cheiro de livro velho adentrava por minhas narinas, me deixando mais extasiada do que se tomasse drogas pela primeira vez. Meus olhos percorriam todo o espaço encantador, mas não pude avistar o que eu procurava. Sei que está por aqui em algum lugar, tem de estar!
O silêncio era quase mortal, cortado apenas pelo barulho agradável de páginas sendo viradas e mentes trabalhando para armazenar o conteúdo de cada uma delas. Paro um instante para observar a quantidade de estantes preenchidas ao meu redor, e então vibro com a ideia de que, em cada um deles, há um novo universo a ser descoberto, e tenho o poder de conhecer todos eles, lendo um por um, deliciando meus alhos e enchendo meu cérebro de informações estimulantes! Quanto mais leio, mais quero ler. Esse é o mundo dos livros.
Passo os dedos pelos livros de uma estante de alguma seção, não me lembro exatamente qual, e presto atenção nas cores e texturas das capas. Há livros de todos os tipos aqui, livros de capa mole e livros de capa dura. Capa de couro, de tecido e capa de papel. Me interesso principalmente pelos de capa dura, não sei bem o por quê, mas é como se me atraíssem de uma forma inevitável... Deveria ver minha expressão ao folhear um.
Ao longe avisto um capa dura azul-marinho com detalhes dourados na estante de cima. Estava tão alto que era quase inalcançável. Mas sou uma garota alta, e, na ponta dos pés, agarrei o livro empoeirado com as minhas mãos.
Soprei a capa à procura de um título, mas não havia nenhum. Apenas desenhos delicados da cor dourada, que pra mim nada significavam naquele momento. Abri na primeira página e, com uma letra redonda e rabiscada, havia iniciais escritas a lápis, na parte mais alta da folha amarelada.
M.X.
E nada mais.
Era um livro grosso e já bastante manipulado. Suas páginas estavam todas preenchidas com uma caligrafia grande, pesada, e quase não pude entender o que havia escrito. O tempo deixara suas marcas, manchando a maioria dos registros, mas eu ainda estava empenhada em decifrá-los.
Fechei o livro com muito cuidado, porque apesar da capa dura, ele era realmente muito frágil, e eu teria de tomar muito cuidado com ele se ainda quisesse desvendar todos os seus mistérios.
Mas quando eu estava colocando o livro dentro da minha bolsa, vi um pedaço de papel cair no chão. Mas o que...
Me abaixei para apanhar e desdobrei a folha.
"Você tem certeza disso?"
Me assustei. Aquilo soava quase como uma ameaça aos meus olhos já arregalados do susto, mas eu logo descobriria que ameaça era uma palavra constante no vocabulário de M.X.

A day in the life

     Há dias em que todos acham estar tudo bem, vivem suas vidas normalmente, como se nada estivesse acontecendo. Mas nesses dias, tem algo dentro de você que simplesmente diz que está tudo errado. Você sente que algo está fora do lugar, se sente fora de contexto, e não há nada que possa realmente lhe ajudar. E não existe algo que possa te ajudar simplesmente porque na verdade não existe problema algum - seu cérebro apenas criou um, e você foi obrigado a conviver com esse sentimento sem-sentido durante o resto do dia. Mas tudo bem, vá dormir. Talvez, quando acordar, você já nem se lembre mais disso.
     O importante é que você saiba que nenhum dos seus amigos tem nada contra você, não existe nenhuma conspiração secreta contra a sua pessoa, nem nada do tipo, ok? Isso é realmente difícil de assimilar quando o seu cérebro é retardado o suficiente para imaginar todas essas coisas. - Mas parabéns! Sua mente é mesmo muito fértil. Já pensou em escrever um livro? Claro que sim.
     Não sente na calçada da escola mandando mensagens para o seu amigo que ainda está no meio de uma aula de exatas, e muito menos continue de casaco quando todo mundo a sua volta está derretendo em suor. Não se apóie naquele chão imundo e cheio de terra dos sapatos alheios, e não fique prestando atenção em como o calor faz com que os carros ao longe pareçam fascinantemente distorcidos, mas, principalmente, não - não! - faça cara de quem não dá a mínima para o que possam pensar de você. Isso é suicídio social em um mundo onde só importa a marca da bolsa que você usa e o salão onde tinge seu cabelo de loiro todos os meses.
     Finja que tudo vai ficar bem. Finja que isso vai passar, e talvez alguma hora você ache que escrever sobre isso vai melhorar as coisas - você vai lá e escreve. E daí, depois que escrever sobre isso, conte-me se funcionou com você. Porque comigo acabou dando no mesmo...

Eu sou a árvore

No tronco de uma árvore
A menina gravou seu nome
Cheia de prazer
A árvore em seu seio comovida
Pra menina uma flor deixou cair

Eu sou a árvore
Comovida e triste
Tu és a menina que meu tronco usou
Eu guardo sempre teu querido nome
E tu?
Que fizeste da minha flor?

(Chico Buarque)

Tempo e equilíbrio

Ontem eu estava na piscina, sozinha, só sentindo a diferença entre a água fria e o sol quente na pele, quando eu percebi uma coisa muito estranha - a piscina maior estava com o nível mais baixo de água que a menor. Mas elas são interligadas, e deveriam estar sempre no mesmo nível, sabe? Quero dizer, é algo que a maioria das pessoas teria deixado passar, ou simplesmente ignorado o fato, mas isso me deixou visivelmente perturbada, e eu não sossegaria até resolver isso.
Eu entrei na piscina menor, e observei o lugar por onde a água devia sair. Tinha um buraco do tamanho de um anel jogando água dela para a maior, e o espaço aberto que deveria equilibrar as duas estava fazendo o mesmo, mas muito devagar. Naquele ritmo, só estaria certa no outro dia. Mas eu não conseguia esperar, e aquilo ainda me deixava muito perturbada, eu precisava ajeitar aquilo, não sei nem o por quê!
Qualquer pessoa que me visse ali, jogando água de uma piscina para outra pensaria que eu provavelmente sou uma retardada mental - e eu realmente estava me sentindo como uma, mas eu simplesmente PRECISAVA ajeitar aquilo! Depois de tentar muito, meus braços já estavam cansados, então eu parei pra analisar o meu progresso. Estava do mesmo jeito!!
Aí eu desisti, claro, frustrada pra caramba.
Mas hoje eu pulei de novo na piscina. Eu já tinha esquecido de ontem (coisas idiotas e situações que me fazem parecer idiota a minha mente faz questão de apagar), mas quando eu olhei pra piscina menor, ela estava no mesmo nível da outra, perfeitamente equilibradas. E eu comecei a rir.
E sabe o que eu aprendi com isso?
Não importa se as coisas estão erradas nem o quanto elas estão erradas, tudo tem seu tempo, e elas acontecem na hora em que deveriam acontecer. E não adianta você se matar tentando consertar tudo, porque o buraquinho do tamanho de um anel deu conta de resolver aquilo, e a única condição dele foi o tempo. Às vezes a gente só precisa esperar, e o problema estará resolvido.

Sobre escolhas, libélulas e metáforas

Naquele mesmo dia, ainda no shopping e igualmente exausta, sentei em frente à porta automática de entrada e saída. Dessa vez, eu não tinha o menor interesse nas pessoas, e mal percebia o fluxo de entrada e saída lá. Se acontecesse um assalto ali mesmo, bem na minha frente, eu não teria nem percebido.
Na verdade, eu estava prestando atenção em algo muito menos interessante, mas completamente frustrante. E depois de um dia inteiro procurando uma calça que coubesse em mim, e tendo como resultado final de uma busca de cinco horas uma única calça que eu nem mesmo gostei, já estava frustrada demais, e isso era tipo, a gota d'água.
Um barulho irritante entre todos os murmúrios das pessoas a minha volta começou a me perturbar, e ao procurar a origem dele com os olhos, achei uma libélula batendo insistentemente contra a única parte da porta de vidro automática que não se abria. De todos os lugares, ela foi escolher logo a porta fechada! Tendo em vista que se ela voasse meio metro para a direita ou para a esquerda teria sua liberdade de volta, era muito frustrante vê-la naquela situação. Mas o que ela pensa que está fazendo? Como se ficar insistindo naquilo fosse adiantar, como se o vidro fosse desaparecer magicamente dali se ela batesse mais um pouco!
Mas que droga, qual o problema desse inseto? Será que ele não vê que a saída está bem ali? Não custa nada sair dali para examinar se tem ALGUMA parte da porta aberta, mas não, ela prefere ficar ali, lutando contra a física, insistindo no problema. Ela está tão empenhada em sair, que não enxerga a saída bem debaixo do seu nariz... Quero dizer, se libélulas tivessem nariz.
Eu me perguntei se não deveria ir lá e ajudá-la a voar para fora, se não deveria mostrar a ela o erro. Mas daí eu pensei: se eu fizer isso, ela nunca vai aprender como sair daquela situação, e acontecerá de novo, só que não vou mais estar ali para ajudá-la. Então talvez eu devesse deixar que ela achasse a saída por si própria... Mas isso parecia tão cruel, sabendo que eu estou vendo a saída e ela não. Era como se eu não me importasse... Mas decidi esperar.
E eu esperei. Esperei mesmo, mas pareceu passar uma eternidade, e descobri que: ou essa libélula é realmente muito burra, ou ela gosta mesmo de continuar se machucando, insistindo em algo sem futuro...
E aí eu cansei de pensar e fui fazer algo construtivo, porque, vou dizer, ficar olhando pra um inseto por quinze minutos é realmente uma séria falta do que fazer!!

Ter visto o sol nascer...

Subir ao telhado parece algo muito perigoso para alguém do meu tamanho, e se alguém de fora me visse, provavelmente pensaria que eu estou prestes a fazer uma loucura.
Engano de quem pensar isso, eu não estou prestes a fazer uma loucura, eu ESTOU fazendo uma. Mas não do tipo que pensariam. As pessoas têm tendência a imaginar sempre o pior, quando tudo na verdade é tão lindo.
Claro, é realmente muito fácil falar da beleza do mundo quando estou aqui em cima, assistindo ao nascer do sol que vi se pôr há algumas horas, sentindo o vento tocar meu rosto e bagunçar meu cabelo. É só que parece muito difícil imaginar todas as coisas ruins que acontecem por aí todos os dias, quando tudo o que vejo são as cores nascendo de algum ponto no horizonte e o céu dividido entre a escuridão às minhas costas e a claridade à minha frente. Com essa separação, quase posso imaginar a luz e as trevas no infinito acima de minha cabeça, mas logo afasto esse pensamento - a lua estaria do lado das trevas, e nunca imaginarei a lua como má. A lua é linda.
O sol está cada vez mais perto de aparecer, olho para minhas costas e vejo a lua ainda lá. Talvez eu veja os dois ocuparem a mesma tela no céu, talvez hoje se cumprimentem e deixem de lado as diferenças por alguns segundos, e eu veria tudo acontecer, seria a mediadora de um amor tão impossível - porque incrivelmente ainda acredito em amores impossíveis (mas não eternos, porque a lua ainda teria de ir embora depois de instantes, mesmo que depois se encontrem novamente em um dia de eclipse... Eles sempre voltam a se separar). Mas todas as minhas esperanças eram demais. Quando olhei novamente para a lua, ela havia sumido, e a agora o céu tem um novo protagonista solitário - o Sol.
E ali, olhando para o céu agora azul, e observando como as nuvens se sobrepõem umas às outras, finalmente o percebo como ele realmente é. Infinito. Começo a ver o céu agora como deve ser, profundamente inalcançável, e não como uma tela pintada à tinta que posso simplesmente admirar. Sorrio porque me sinto profundamente abençoada por ter essa visão que poucos têm sobre o que lhes rodeia. Deus enxerga pelos meus olhos.
E agora, que não mais o vejo como uma tela, olho para todos os lados e me sinto muito exposta. O céu inteiro me rodeia, e não há nada que me proteja, estou exposta. Mas não me sinto exposta de uma forma ruim... combinando o vento no meu cabelo, as nuvens perto de mim, a claridade que não dói em meus olhos, o sorriso em meus lábios e meu olhar maravilhado, me sinto finalmente como parte de algo maior, como uma peça que se encaixa no maior quebra-cabeça que já existiu.
Ali, sinto como se eu finalmente achasse o meu lugar no mundo.