Apertando as amarras

O meu irmão está preso na cadeirinha de segurança do carro. Na verdade não está, mas preste atenção em suas atitudes:
Estamos dentro do carro esperando meu pai, que está do lado de fora avaliando o avanço da reforma na preciosa lancha dele, e deixamos minha mãe em um lugar horrível há pouco tempo com cara de choro descobrindo mais dívidas além dos 300 mil. Eu estou muito estressada, e grito com o Matheus pra que ele pare de falar com o gato e de repetir falas de filmes de cinco em cinco minutos - isso realmente me irrita muito, e ele fica quieto por alguns segundos até esquecer do que eu gritei há pouco e começar a me irritar novamente.
Me sinto meio mal por gritar com meu irmão, mas se eu não for cruel com ele agora, e ensiná-lo dessa maneira, as crianças farão isso daqui alguns anos. E as crianças conseguem ser bem cruéis quando querem.
Mas enfim, voltando à situação do Matheus e a cadeirinha. Está realmente muito calor aqui dentro do carro, e só três portas estão abertas porque meu irmão simplesmente não quer abrir a porta do lado dele, e eu não faço ideia do motivo, porque ele NÃO DIZ o motivo! A única coisa que ele diz, além de besteira de filmes, é que quer a minha mãe e que está com saudades dela - ACABAMOS de deixá-la em um prédio. Ele não pode já estar sentindo a sua falta! Mas ele é criança, e sugiro que ele chame meu pai para irmos embora logo.
Depois de vários gritos chamando o meu pai, eu desisto, e acho que o Matheus também, mas vejo ele se esticando para frente, tentanto alcançar o volante, mas não chega nem perto. Ele está tentando apertar a buzina, mas ele sabe que não vai conseguir chegar lá amarrado na cadeirinha - posso ver a desistência precoce na moleza dos seus atos. E ele finalmente assume a derrota me pedindo pra que eu o aperte para ele, só que pediu indiretamente. E eu disse: "se você precisa fazer alguma coisa, faça você mesmo."
Eu não sou de falar esse tipo de coisa pro meu irmão de cinco anos, mas eu meio que estou muito atolada nos meus próprios pensamentos para pensar no que vou dizer a um pirralho irrirante - que é meu irmão e eu o amo MUITO!
E mais uma vez ele se queixou de que não dava, porque estava na cadeirinha, preso com cinto de segurança. "Mas como? Me diga! Como eu posso fazer isso se o cinto tá me prendendo?"
E eu lhe respondi:
"Em tudo se dá um jeito."
Mas ele continuou se queixando, me dizendo que não dava porque ele estava de cinto. Já cansada de ter de resolver tudo pra ele, eu lhe disse:
"Bem, então tire o cinto, ora!"
Era uma solução muito simples, e resolveria tudo logo, mas ele cortou meus pensamentos mais uma vez:
"Mas eu não posso tirar o cinto, porque minha mãe não deixa."
Veja bem, minha mãe não o deixa tirar o cinto de segurança quando estamos em movimento, quando há um risco de acontecer algum acidente, mas estamos PARADOS, MORRENDO de calor, e esperando o meu pai terminar de namorar a lancha dele... E além do mais, minha mãe não está nem aqui! Então percebi que o que meu irmão estava fazendo o tempo todo era arranjar desculpas para não fazer o que devia. Na verdade o que ele queria. Ele acha que tudo o atrapalha a chegar naquela meta, mas a verdade é que não, nada atrapalha. São obstáculos criados pela própria mente dele, inconscientemente. E eu me sinto exatamente nessa situação.
Mas, como ele, me acomodo na dificuldade - como todo ser humano, pra falar a verdade -, e, assim, não tenho vontade de mudar.

4 comentários:

  1. Vou parar de ler o seu blog... Já li todos os textos mesmo ><

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  2. Vai ter uma hora que os textos do evernote vão acabar né? Ou então eu enjoo de postar textos relativamente antigos e começo a procurar a inspiração de novo.
    Aliás, inspiração é para os fracos!
    E vc não tinha lido o da Marília hahah

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  3. Tenho uma irmã que é treze anos mais nova que eu, e às vezes acontece isso também, não exatamente assim, mas a irritação que eu sinto é a mesma, e como sinto, pf.
    Fiquei muitíssimo feliz com o seu comentário no meu blog, muito mesmo, comentários como o que você fez sempre me animam e me incentivam a não deixar de escrever, a não desistir, o que às vezes parece quase aceitável, mas na verdade não é.
    Obrigada pela visita. (:

    Beijo, Dani.

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  4. É aquela típica história do: "Quem quer arranja um meio, quem não quer, arranja uma desculpa". Eu também faço isso tantas vezes que fiquei até com vergonha. =P

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"Já que se há de escrever, que pelo menos não se esmaguem com palavras as entrelinhas"
Clarice Lispector"